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Estabelecer relações e atitudes com honestidade, ética, transparência e respeito.

Enquanto a Comissão de Estudos 03:64-001 de instalações elétricas de baixa tensão da ABNT CB 03 não inicia suas atividades em 2016, prevista para o começo de fevereiro, é importante investirmos algum tempo na análise da criticidade e, ao mesmo tempo, do descaso, com que a qualidade das instalações elétricas é tratada no Brasil. E isso começa pelo desconhecimento generalizado das condições mínimas exigidas pela norma ABNT NBR 5410, que tem sua atual versão de 2004 sendo revisada.

Neste final de ano de 2015, ocorreram dois fatos que podem ilustrar bem essa afirmação. No primeiro, ocorrido em uma residência, uma senhora idosa sobreviveu a um choque elétrico no chuveiro, cujas condições, mostradas em reportagem de uma das emissoras líderes da televisão, evidenciaram a felicidade da vítima em sair ilesa da vergonha em que se encontrava a instalação. Situação muito comum, mas pouco noticiada. O pior, no entanto, não se resume à pobre manutenção ou ausência dela nas condições da instalação. A reportagem, acredito que, até pela consciência da importância de divulgar as condições corretas, procurou um “especialista” que ministra cursos técnicos de instalações elétricas em uma das mais renomadas organizações nacionais (incluindo uma camiseta da entidade), que mostrou o que deveria ter sido feito, com o dimensionamento correto dos condutores que alimentavam o chuveiro (até aí, o correto), a conexão dos condutores da instalação com os condutores do chuveiro por meio de uma “tomada também dimensionada à potência do chuveiro” (sic) e com disjuntores no local da instalação, tudo isso com imagens gravadas no laboratório da entidade. Ninguém falou sobre o dispositivo DR e nem foi dito que existe uma norma técnica que rege a instalação (nossa tão desprezada ABNT NBR 5410) e que ela não permite o uso de tomadas ou dispositivos de manobra e proteção instalados no volume de segurança em que se encontra o chuveiro. Se os instrutores têm esse nível de conhecimento, o que esperar dos pobres mortais (literalmente) que utilizam as instalações e são vítimas de instaladores e curiosos por eles treinados?

Mas os acontecimentos não pararam por aí, tivemos também em dezembro o infeliz incêndio do Museu da Língua Portuguesa, que causou a morte de um bombeiro civil e a destruição do edifício do Museu e que quase (por felicidade não ocorreu) destruiu também o edifício da Estação da Luz. Além do caos no sistema ferroviário e metroviário da cidade, tratam-se de dois edifícios históricos cuja perda é irreparável. Sem falar do acervo, neste caso, quase todo digital e guardado na “nuvem”, para a felicidade da cultura brasileira já tão deficiente. Até o momento, de acordo com as publicações da imprensa, já que o laudo final ainda não foi finalizado, a causa primária teria sido um curto-circuito em uma luminária de um dos salões de exposição. Circunstancialmente, o museu estava fechado para visitantes, caso contrário, a tragédia poderia ter tido mais vítimas. Vejamos os números assustadores ligados ao que se perdeu, sem considerar a vida humana que não tem preço. Pelos dados publicados (Jornal O Globo, edição de 21/01/2016), o investimento até a inauguração do Museu em 2006, entre o restauro do prédio, pesquisa, criação e implantação, foi de R$ 37 milhões, em um projeto conjunto do Governo do Estado de São Paulo e a Fundação Roberto Marinho. Depois da tragédia, o mesmo jornal cita que o seguro contratado no valor de R$ 45 milhões “ajudará nos gastos com a restauração”. Em nova parceria com a iniciativa privada, o Museu será reconstruído e implantado a um custo ainda não divulgado. Tudo isso poderia ter sido evitado ou, com certeza, mitigado se a norma de instalação tivesse sido seguida, pelos dados divulgados até agora. Considerando a hipótese do curto-circuito, é cedo para saber se houve erro de projeto (por exemplo, não existiam dispositivos de proteção contra curto circuito?), falta de manutenção (por que eles não atuaram no caso do curto-circuito?), erro na montagem da exposição (as fotos originais do local mostram redes de tecido bem próximas a potenciais pontos quentes da iluminação). Além disso, por ser um local de alto valor histórico e de grande afluência de público – e tudo de mais importante que podemos imaginar para um museu – por que não se fez uma verificação final das instalações elétricas, como especifica o capítulo 7 da ABNT NBR 5410? Para esse tipo de local, a verificação deveria ser periódica, já que o ambiente é dinâmico e repleto de situações de risco ao acervo e ao público.

Enquanto isso, a única Portaria existente de certificação das instalações de baixa tensão, a Portaria 51/2014, ainda é voluntária porque no país não está definido um órgão regulamentador para as instalações elétricas e o próprio Inmetro somente pode definir requisitos aplicáveis aos organismos candidatos à acreditação ao escopo dessa Portaria. Ela não define (porque não pode) como seria a fiscalização das instalações, já que o processo é voluntário, como se a segurança das pessoas, dos bens materiais e culturais fosse também voluntária.

Atuando há quase uma década na certificação real de uma centena de instalações no Brasil, posso estimar o investimento necessário para a certificação do agora destruído Museu da Língua Portuguesa, em cerca de R$ 30 mil, considerando todas as etapas previstas na Portaria Inmetro 51/2014, ou seja, menos de um milésimo do valor do investimento inicial feito até 2006 e menos que isso ainda do valor da reconstrução.

Enquanto não aprendermos o significado da palavra segurança, de cumprir normas técnicas, de ações preventivas, gastaremos dinheiro reconstruindo. A França, por exemplo entre uma grande quantidade de países, já possui há uns pares de anos, legislação específica para instalações elétricas de edifícios tombados, locais com acervos culturais, além de casas, apartamentos, edifícios comerciais e residenciais desde a década de 1960. O Governador de São Paulo informou que pretende criar um Conselho independente para acompanhar os trabalhos de reconstrução, espero que os argumentos acima sirvam para mostrar ao Conselho a importância de se avaliar as instalações elétricas e de outras modalidades críticas à segurança. E pensar que tudo começa em se escrever uma norma técnica confiável.

* Eduardo Daniel, consultor da MDJ Assessoria e Engenharia Consultiva, superintendente da Certiel Brasil e coordenador da Comissão de Estudos 03:064-001 do CB-3/ABNT, que revisa a norma de instalações de baixa tensão ABNT NBR 5410.

Edição 120 - Janeiro de 2016

Espaço 5410 – Revista O Setor Elétrico

http://www.osetoreletrico.com.br/web/a-revista/edicoes/1913-consequencias-do-descaso-com-a-abnt-nbr-5410.html